Os Ensinamentos do Senhor

Os Ensinamentos do Senhor

Ouvi muitas pessoas dizerem que começaram a leitura da Bíblia e

 desistiram por não compreender o que estava escrito.

E que o modo de Deus agir é difícil de assimilar pois se manifesta

 castigando, vingando..., por outro lado, falava às pessoas e hoje

parece ter-se calado. Mesmo assim, em Setembro, mês da Bíblia, somos chamados pela Igreja, a

nos aproxim

ar das Escrituras. Mas como fazê-lo de uma maneira que não nos assust

e e não nos desanime e tenha sentido para a nossa vida

 e nossa caminhada?
"As palavras que vos disse são espírito e vida" Jo 6,63b
      Jesus mesmo nos ajuda a compreendermos as características da Palavra ao dizer que

 ela é espírito e vida. É próprio do espírito o seu caráter dinâmico, pois é sopro (ruah), vento,

 livre, maleável, de tal modo que não se pode prendê-lo, enquadrá-lo. Portanto, é uma

realidade dinâmica que precisa ser captada no hoje da nossa existência e não congelado

 em um passado distante e incompreensível. É no presente das pessoas e comunidades

que ele se transforma em vida. A Palavra deixa de ser um corpo estranho se a percebermos

como ação de Deus geradora de vida: "Faça-se ... e fez-se..." . Deus continua a vir até

 nós com sua Palavra criadora, esta palavra atravessa e ultrapassa a Bíblia. Hoje ela

continua a ser dinâmica (espírito) e criadora(vida). Se é assim, então para que recorremos

ao texto bíblico?
"Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho, quando nos explicava as

 escrituras?" Lc 24,32
       As escrituras precisam ser entendidas no caminho, na vida cotidiana. Nos ensina Carlos

 Mesters que na Bíblia há tudo o que faz chorar e sorrir, ou seja, a existência que se manifesta

 na alegria, na festa, na dança, na reza, na luta, na dor, na derrota, no recomeço... .

Jesus mostra aos discípulos de Emaús, caminhando com eles, que a escritura ganha

sentido quando iluminada pela vida concreta. E aquela por sua vez ajuda a encontrar o

sentido mais profundo da vida. Jesus, que continua sua caminhada conosco, é o exegeta

 a mostrar que temos que misturar a Vida com a Bíblia e a Bíblia com a nossa Vida para

podermos compreendê-la, e para que o nosso coração possa arder.
"...é semelhante a um pai de família que do seu tesouro tira

coisas novas e velhas." Mt 13,52
      Novamente Jesus nos dá outro indicativo interessante para lermos a Bíblia

 e a Vida. Deve ser lida na perspectiva do reinado de Deus que se faz concreto na

vida do seu povo. Jesus aponta que aquele que está dentro da perspectiva do Reino,

 é como um pai de família que tira coisas novas e velhas do seu tesouro. O maior tesouro

 que temos é a vida. Isso me faz comparar a Bíblia e a vida com uma colcha de retalhos,

 também feita de panos novos e velhos. Fazer uma colcha de retalhos exige paciência para

 ir juntando, aos poucos, os pedaços antigos e guardando os novos sem deixá-los se perder;

exige sensibilidade e criatividade para dispor as cores de maneira harmoniosa, separar o que

 presta e o que deve ser descartado e por último habilidade para costurar tudo em uma

única nova peça. O povo de Deus na Bíblia também faz como quem monta colcha de

 retalhos. Junta histórias antigas, cânticos, preces, mitos, narrativas de libertação,

 ditados, profecias, atas, novelas..., que são importantes para entender e dar sentido

à sua vida e à sua história, e agrupam tudo em uma grande colcha, a Bíblia. Quando lemos um

 livro da Bíblia percebemos ali várias histórias, de várias épocas, basta observar a quantidade de

 citações de outros livros que aparecem num só livro. Jesus também foi um mestre na arte de

fazer colcha de retalhos, por exemplo ao dizer que dava um novo mandamento aos seus

discípulos

 de amarem-se uns aos outros, citando um texto antigo do Lv 19,18.
"...quem escuta a minha palavra e crê naquele que me enviou tem

a vida eterna..." Jo 5,24
      Uma colcha de retalhos é nova, embora os tecidos que estão nela

costurados são de diversas épocas, tamanhos e cores. Qual é, então, a costura

 que faz com que possamos chamar de Palavra de Deus experiências de vida

 tão diversas como as encontradas nos diferentes livros da Bíblia?

 E qual é a costura que une as diversas dimensões de nossas vidas?

Mais uma vez Jesus nos mostra a saída. É a fé no Deus da vida

 e da história, a certeza de que Ele caminha conosco e caminhou

com o povo da Bíblia que costura e que torna nova e bela as diversas realidades humanas

tocadas por Deus. É a fé que une o local e o universal, o presente ao passado e ao futuro,

 abre espaços e rompe limites, até os da morte.
"Eu te louvo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste essas coisas aos

 sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos." Mt 11,25
       Em toda a história do povo de Deus e na vida de Jesus, os pequenos, pobres, excluídos

 de todos os tipos, foram aqueles que estiveram abertos para o Reino. E Deus sempre fez

opção preferencial por aqueles que não tinham nenhuma perspectiva do ponto de vista

 econômico, político, religioso e social. São esses os primeiros a seguir Jesus. Assim,

 eles são critério para compreender o modo de Deus agir na Bíblia e na Vida. A leitura da

 Bíblia e a leitura da Vida precisa ser com e através dos pobres hoje, dos excluídos; para

que tenha um mínimo de fidelidade ao projeto sonhado por Deus.
"Jesus fez ainda, diante de seus discípulos, muitos outros sinais, que não se acham

escritos neste livro." Jo 20,30
          Jesus continua a caminhar diante de seus discípulos e continua a fazer muitos sinais.

Voltamos a perceber que a Palavra de Deus atravessa mas, não se esgota na Bíblia.

 É preciso que agucemos nossa sensibilidade, fortaleçamos nossa fé e nosso compromisso

 com os excluídos para ler o grande livro da vida, iluminados pela Bíblia que Deus

 continua a escrever. Todos somos chamados a sermos criativos em reunir retalhos

velhos e novos, e com eles continuar na tarefa de tecer a colcha do Reino de Deus e

 da nossa vida, onde todos possam agasalhar-se.